Você não é uma farsa. Entenda as dimensões do seu direito a limites e à privacidade
Todos temos direito a limites, ou seja, a criarmos um espaço só nosso e que vai além da pele, o qual contém a nossa identidade, valores, vontades, sentimentos e necessidades próprios. Os nossos limites, portanto, asseguram o nosso direito, também, à autonomia, autenticidade e, sobretudo, à autoafirmação, autoproteção e autopreservação nos relacionamentos. Embora racionais e saudáveis, correspondem a um direito universal humano. Contudo, os limites pessoais e o direito à privacidade não são respeitados pela cultura da família disfuncional, a qual rege os valores do senso comum (para compreender o que são limites e aprender como aplicá-los, recomendo a leitura do capítulo 4.7 “Entendendo e respeitando seus limites” do Prisioneiras do Espelho, Um Guia de Liberdade Pessoal para Filhas de Mães Narcisistas. Para adquiri-lo, clique aqui).

Ainda que mais prevalente nas culturas latinas, tais como a brasileira, a italiana e a portuguesa, a negação do direito à individualidade e a rotulação disso como um ato de rebeldia e desonestidade perante a família permanecem vivas também, nas culturas germânica e, até, britânica. Observe como vem embutida na narrativa de baixa autoestima de duas clientes minhas, Siobhan[i], irlandesa de 28 anos, e Lisa,[ii] inglesa de 36 anos:
“…a viagem foi um sucesso, mesmo. O meu chefe me elogiou muito, em especial, a forma como eu lidei com os clientes. Aí logo me bateu aquele pensamento, “se soubessem da minha doença autoimune e como sofro de fadiga nos dias seguintes, ninguém me veria como essa mulher ‘incrível’ e ‘superanimada’. Fiquei com muita vergonha e culpada por esconder a minha doença deles.”
“…tem vezes que olho para os meus clientes enquanto compartilham as suas histórias de abuso e trauma e fico chocada com a confiança que depositam em mim como sua terapeuta. Imagina se soubessem do que presenciei quando criança, da bagunça e sujeira que era a casa da minha família… dos abusos e da negligência que eu, também, vivenciei e fui testemunha… Sinto que a pessoa que me tornei nega tudo isso… Me sinto uma farsa.”
Ambas, Siobhan e Lisa, acreditam na visão rígida de permanência e completa transparência nos relacionamentos como virtude. Desta forma, o seu direito à complexidade e expressão das suas diversas camadas quando e com quem desejam é julgado como impróprio. Portanto, Siobhan e Lisa sentem-se mal – envergonhadas e culpadas – por serem compostas de diferentes partes: boas, não muito boas, fortes, vulneráveis, escuras, foscas e brilhantes, como se tivessem de possuir somente uma e, se não, fossem obrigadas a expô-la(s) para que se tornassem dignas de respeito.
A sua vida não tem de ser um livro aberto.
Você tem, sim, direito a uma vida privada e o respeito de possuí-la.
Não, você não é uma farsa por exercer esse direito, mas emocionalmente madura por reconhecê-lo e validá-lo de forma autônoma.
Para um estudo completo de como os valores rígidos da família disfuncional afetam o seu desenvolvimento, recomendo a leitura do capítulo de número 2 intitulado As crenças rígidas e as verdades inquestionáveis do meu novo livro, Desconstruindo a Família Disfuncional.
[i] Nome fantasia para proteger o direito à anonimidade de minha cliente.
[ii] Nome fantasia para proteger o direito à anonimidade de minha cliente.