Eu devo perdoar a minha mãe narcisista? 5 mitos sobre o perdão
Se você é filha de uma mãe narcisista/tóxica/abusiva, a seguinte questão já deve ter permeado a sua consciência, reiteradamente:
“Eu devo perdoar a minha mãe narcisista?”
Como qualquer decisão de peso, o perdão em relação a sua mãe narcisista precisa ser uma reflexão proveniente de sua essência e de seu momento e não uma obrigação, resultado de uma pressão sociocultural ou imposição de terceiros, é importante refletir detidamente sobre essa questão antes de tomar uma decisão precipitada. Como acredito no poder transformador do conhecimento e no livre-arbítrio, bem como da autoconsciência e do amor-próprio, este artigo é dedicado a oferecer-lhe uma nova perspectiva acerca do perdão, que valide a sua realidade de filha de mãe narcisista e história de abuso e trauma, pois o seu contexto pessoal é bem especial. Para alcançar este objetivo, abaixo seguem 5 mitos sobre o perdão:
1- “Você tem que perdoar”
Primeiramente, vale a pena enfatizar: o perdão não é uma obrigação, mas uma escolha. Ninguém é obrigado a perdoar ninguém, seja ou não parente. Perdoar (ou não perdoar) é uma experiência íntima que diz respeito somente a você. “Ter que” carrega uma obrigatoriedade que lhe rouba o direito de ser e agir de acordo com a sua essência, vontade e sentimentos. Ninguém sabe como é ser você tampouco vivencia a sua experiência, portanto, não se entregue à intimidação e ao bullying de quem não veste a sua pele. Você é livre.
2- “Perdoar é um ato que beneficia a todo mundo”
Para quem acredita neste mito, convido a fazer ao que me refiro como “o teste do perdão”. Ao terminar de ler este artigo, perdoe a sua mãe narcisista para si mesma da forma mais genuína que conseguir e registre o momento em um pedaço de papel ou em seu celular. A partir desta data, mantenha um diário por, no mínimo 30 dias, relatando como se sente. No final deste período, faça uma avaliação franca de si. Então, sente-se substancialmente renovada, aliviada, mais centrada e feliz após ter perdoado a sua mãe narcisista, ou exatamente da mesma maneira (ou pior) do que antes? Não há nada de errado com você se nada mudou, pois você não é “todo mundo”, mas um indivíduo de alta complexidade, com personalidade e sentimentos próprios.
3- “Perdoar fará com que se sinta melhor”

Nas mãos da sua mãe narcisista, o perdão se torna mais um entre muitos dos instrumentos de manipulação emocional
Devido ao fato de que somos únicos em nosso jeito de ser e sentir, o perdão não é para todos, pois nem todo mundo sente-se instantaneamente bem após perdoar alguém. Além disso, o perdão que faz alguém sentir-se melhor – de forma sólida e duradora – vem no momento certo, ou seja, depois do luto. Isso é porque o perdão consiste em um processo de aceitação não somente de natureza intelectual, mas, sobretudo, emocional. Quem perdoa com “a cabeça” (racionalmente) e não com “o coração” (emocionalmente) pratica o perdão rápido demais e negligencia os estágios do luto que precedem o final (negação e isolamento, raiva, negociação e depressão), a aceitação. O luto é uma necessidade para quem perdoa, pois é um processo fundamental pelo qual se compreende e se aceita uma realidade, tanto com o corpo como com a alma. Colocar o perdão na frente do luto, ou querer perdoar a mãe narcisista sem nunca se ter permitido processar as emoções antagônicas em relação a este relacionamento disfuncional tende a não produzir resultados positivos a longo prazo.
4- “Quando se perdoa alguém, o relacionamento sempre melhora”
Se você acredita nesse mito, recomendo-lhe, mais uma vez, a fazer o meu teste do perdão. No término desta leitura ou quando tiver tempo, perdoe a sua mãe narcisista interna ou diretamente na presença dela. Após fazê-lo, registre o ocorrido e verifique consigo mesma depois de trinta dias. Como foi? O relacionamento com ela melhorou, continua igual ou pior do que antes? No Prisioneiras do Espelho, Um Guia de Liberdade para Filhas de Mães Narcisistas questiono o suposto poder transformador do perdão no contexto do narcisismo materno, já que, “Nas mãos da sua mãe narcisista, o perdão se torna mais um entre muitos dos instrumentos de manipulação emocional” (Prisioneiras…, p. 203). Tendo em vista a prática da mãe narcisista e demais indivíduos abusivos usarem a vergonha e a culpa que frequentemente acompanham o perdão para nunca reconhecerem o sofrimento de suas vítimas e perpetuarem o abuso que as infringe, a probabilidade de que o perdão, sozinho, desencadeie um processo transformador deste relacionamento é, virtualmente, nula.
5- “O perdão só funciona quando é pedido ou dito diretamente para a pessoa”
Quando o perdão é uma experiência orgânica e não uma obrigatoriedade ocorre no seu tempo e é sentido de dentro para fora. Assim como os sentimentos que se originam de um estado de profunda e sincera aceitação, o perdão, quando autêntico, é uma experiência sua. Desta forma e porque está ciente disso, você não “tem que” comunicar ninguém quando (e se) o perdão materializa-se – tampouco a sua mãe narcisista – pois é algo concernente apenas a si. O perdão alardeado de modo afetado e com superioridade não corresponde a um ato equilibrado, mas à insegurança pessoal e à necessidade de aprovação.
Para quem cresceu sob a tirania e atitude transtornada e abusiva de uma mãe narcisista, o perdão não é uma novidade, mas um exercício diário de tolerância, dependência emocional, codependência e, até, sobrevivência. Contudo, afirmar que – inquestionavelmente e em todas as circunstâncias – o ato de perdoar a mãe narcisista, em si, cura as feridas do seu trauma é uma afirmativa errônea, não reflete a realidade de um grande número de filhos e filhas de mães tóxicas. Embora o perdão possa ser uma experiência genuinamente benéfica para alguns, não se trata de uma regra para todos os seres humanos nem possui a mesma relevância prática, relacional, psicológica e emocional. Caso esteja se questionando se “deve” perdoar a mãe narcisista, verifique com o seu corpo, e não somente com o seu intelecto, se verdadeiramente deseja isso. Acima de tudo, respeite o seu ritmo e honre as emoções ou quem neste momento você é.