A mãe narcisista como o seu gatilho número 1
Se você é filha ou filho de uma mãe narcisista, já deve ter formulado a seguinte suposição:
“Se eu aprender a lidar com a minha mãe, tornar-me mais fria e não me preocupar com o que ela diz ou faz, serei capaz de aguentá-la e não precisarei cortar o contato.”
No meu trabalho com filhas e filhos de mães narcisistas, é bastante comum encontrar clientes que mencionam isso como um de seus objetivos de terapia. Por ser uma noção tão comum e, ainda, tão errônea no contexto do relacionamento entre filhos e mães narcisistas/tóxicas, achei pertinente usar este espaço para esclarecer.
Então, vamos lá: é possível “treinar-se” para não se abalar emocionalmente com o comportamento abusivo e impróprio de uma mãe narcisista?
A resposta, na esmagadora maioria dos casos, é não. Isso se deve ao fato de que a sua mãe narcisista está no centro da sua história de trauma do desenvolvimento. Como a praticante de grande parte do abuso que você sofreu, a sua mãe narcisista é o seu gatilho número um. Para compreender a extensão do efeito que ela provoca sobre você, é vital entender o conceito de “gatilho”.
A mãe narcisista como um gatilho

Um “gatilho” é uma experiência que faz com que a vítima relembre um evento traumático
No contexto de qualquer tipo de trauma, seja físico, psicológico/emocional, de uma ocorrência singular ou complexo (uma série de eventos adversos), um “gatilho” (trigger, em inglês) é uma experiência que faz com que a vítima relembre um evento traumático de seu passado. Para usar um exemplo bem estereotípico, o barulho de uma explosão pode tornar-se um gatilho para um soldado de guerra traumatizado. Toda a vez que houve um barulho semelhante, independente da origem e donde esteja, sente-se aterrorizado tal como quando se encontrava no campo de batalha. Este gatilho – o barulho de explosão – ativa a sua memória do trauma que, por sua vez, ativa as emoções antagônicas sentidas no momento em que ocorreu (por exemplo, medo), fazendo-o sentir-se vulnerável e indefeso, inclusive se estiver longe de qualquer perigo real.
É claro que há diferentes contextos de trauma, nos quais os gatilhos não são tão simples de serem identificados, tal como o do exemplo. No contexto de trauma complexo – a modalidade sofrida por vítimas de abuso narcisista – estes gatilhos podem ser pessoas e até emoções. A mãe narcisista, portanto, representa um supergatilho. Isso se deve ao fato de que tudo a respeito de sua pessoa, bem como o seu olhar, linguagem corporal, maneira etc. funcionam como gatilhos. Na presença de uma mãe narcisista, o filho ou filha sente-se, com grande frequência e quase automaticamente, como aquela criança vulnerável de muitos anos atrás. Portanto, todo aquele autocontrole, autoridade e autoconfiança de homem ou mulher adulto conquistado ao longo de sua experiência e longe de influência materna parece desvanecer-se na presença de sua mãe narcisista.
Este processo é tão rápido e sutil que escapa a sua consciência. Basta um comentário afetado ou uma crítica destrutiva para que as memórias e crenças do seu trauma sejam ativadas. Uma vez que você é transportada para o passado através destes gatilhos, o seu sistema límbico é ativado e as suas reações tornam-se rápidas, subjetivas, emocionais e até irracionais. Como esclareci no artigo anterior deste blog, esta área do seu cérebro, referido como o “cérebro emocional”, é onde são armazenadas as memórias do seu trauma e é, também, a região responsável por detectar ameaças e nos mobilizar para uma resposta: a fuga ou a luta. Portanto, as suas reações, quando na presença da sua mãe, serão, na maioria das vezes, motivadas por intensas emoções antagônicas, até mesmo nas circunstâncias em que ela não estiver apresentando um comportamento que, tecnicamente, justifique a amplitude da sua reação. Lembre-se de que o seu sistema límbico é hiperativo em consequência do trauma, a probabilidade de você não se sentir inadequada na presença da pessoa que a abusou por longos e sofridos anos é quase nula. Quando você se familiariza com os aspectos neurobiológicos e entende o conceito de gatilhos, insistir em manter este relacionamento tóxico corresponde a uma atitude ingênua e incoerente.
Honrar as suas emoções é honrar você
A reação normal de um ser humano constantemente atacado verbal e fisicamente e tem a autoconfiança sistematicamente destroçada é se sentir mal e inadequado. Ninguém deve se esforçar para tolerar o abuso, seja de quem ou da natureza que for. As suas emoções, mesmo quando exageradas, são fontes de grande sabedoria, pois lhe avisam ou relembram da ameaça ao seu bem-estar. No contexto de abuso, tentar “controlá-las”, reprimi-las, ignorá-las ou normalizar o seu significado só promove ainda mais o mal-estar emocional e até a ocorrência de problemas de saúde física e mental. Logo, a melhor maneira de lidar com as suas emoções é respeitá-las e aprender com elas. Mesmo que você faça terapia e certas pessoas insistam que você “tem que” ter um relacionamento com a sua mãe, ou que cabe a você “aprender” a relevar a sua atitude abusiva e transtornada, o seu corpo ou você inteira – da cabeça aos pés – permanece o seu guia mais inteligente e humano. Está na hora de honrar a si própria e dizer não ao abuso narcisista. Se precisar de ajuda para reduzir ou cortar o contato com uma mãe narcisista, recomendo os meus livros, Prisioneiras do Espelho, Um Guia de Liberdade Pessoal para Filhas de Mães Narcisistas e Filhas de Mães Narcisistas, Conhecimento Cura.