Categoria: Ansiedade

Você está se sentindo ansioso ou simplesmente com raiva?

A ansiedade nem sempre é o motivo pelo qual a pessoa não se sente bem, já que não é o único sentimento que nos impacta negativamente. Caso você tenha um sentimento complicado com a raiva, por exemplo, pode ter o hábito de não a reconhecer no corpo. A ansiedade é um sentimento que se origina do medo, portanto, trata-se de uma emoção de agitação intensa – tal como a raiva – e é propensa a ser identificada erroneamente. Desta forma, se a pessoa não tolera a raiva, pode ser que a esteja chamando de “ansiedade”. Aqueles que fazem isso, contudo, tendem a fazê-lo inconscientemente. Para ajudá-lo a entender o que está sentindo e estabelecer uma conexão saudável com a raiva, continue lendo para explorar se você está se sentindo ansioso ou simplesmente com raiva.

Você está se sentindo ansioso ou simplesmente com raiva
Você sabe se o que está sentindo é ansiedade ou raiva?

Semelhanças entre a raiva e ansiedade

A ansiedade, um sentimento que se origina do medo, e a raiva são desencadeadas pela percepção de uma ameaça. Você se sente ansioso/com medo ou com raiva quando se encontra diante de algum tipo de perigo. Quando isso acontece, o corpo se prepara para lutar contra aquela coisa, pessoa ou animal perigoso, desde congelar no local para enganá-los até escapar destes. Por essa razão, a raiva e a ansiedade têm fisiologias semelhantes. Quando o corpo está se preparando para lutar, congelar ou fugir, os músculos ficam tensos, a respiração torna-se superficial, o coração bate mais rápido e a digestão é suprimida. Assim sendo, todos os recursos são mobilizados para a sobrevivência. Portanto, do ponto de vista físico, a ansiedade/medo e a raiva são sentidos de modo similar no corpo.

Diferenças entre a ansiedade e raiva

Embora a ansiedade e a raiva sejam sentidas de maneira semelhante, os gatilhos podem não ser os mesmos, pois são vivenciadas em diferentes circunstâncias. A ansiedade compreende um sentimento negativo em relação a algo que está para acontecer. A maioria das pessoas fica ansiosa antes de fazer uma apresentação, por exemplo, pois se preocupa com o desempenho. Isso é ansiedade, ou seja, a pessoa não tem como saber o que realmente vai acontecer, isto o coloca numa posição vulnerável não só porque se lembra de suas limitações pessoais, bem como devido à possibilidade de obter resultados negativos.

A raiva, por outro lado, pode ser empoderadora, visto que surge quando a pessoa sente que os seus limites não foram respeitados, portanto, é ativada para ajudá-la a recuperar a autoestima e a protegê-la de si própria e das outras pessoas. Em virtude disso, a raiva consiste numa reação emocional a uma ameaça e, embora não a antecipe, pode ajudar a evitá-la – a longo prazo – devido à sua conexão com os comportamentos de autoafirmação. A raiva promove a autoconfiança e o poder saudável quando se expressa de modo funcional e não abusivo.

Para se conectar com a raiva de uma forma adaptativa e funcional, resista o impulso de reprimi-la, acalmá-la ou racionalizá-la. Sinta-a no corpo – com a atenção plena – e sem julgamento. Ouça a sua mensagem e valide a sua importância para salvaguardar o seu bem-estar, assim como daqueles que dependem de você.

O seu cérebro hipervigilante não é seu amigo

Como seres pensantes, exibimos uma tendência natural de acreditarmos nos pensamentos e confirmarmos as nossas visões tendenciosas, além de nos sentirmos seguros quando as nossas teorias sobre o mundo, nós mesmos e as outras pessoas parecem ser verdadeiras. No entanto, a realidade – assim como os seres humanos – é extremamente complexa. Em nossa ânsia de nos acalmarmos com a ajuda do intelecto, deixamos de levar em consideração diversas variáveis que influenciariam a nossa compreensão da realidade. Limitamos a nossa percepção ao que já sabemos para nos sentirmos seguros, mesmo quando esse conhecimento não favorece o nosso bem-estar.

O seu cérebro hipervigilante não é seu amigo
O cérebro hipervigilante está sempre em alerta

Essa tendência se pronuncia no cérebro traumatizado. Para as vítimas do trauma relacional, por exemplo, abordar os relacionamentos com a neutralidade e sem levar para o lado pessoal é um desafio, pois sofrem com a hipervigilância.  Num constante estado de atenção ao perigo – modo luta ou fuga – se protegem contra a dor, algo que conhecem tão bem. Para se sentirem seguros, confiam nas explicações sobre a ansiedade e insegurança que seus cérebros produzem com rapidez e aparente eficiência. Você está desanimado com a ideia de conhecer novas pessoas? Provavelmente, porque vão rejeitá-lo. Esse pensamento negativo e irracional, inclusive quando prejudicial à saúde mental e relacional, ajuda os socialmente ansiosos a se equilibrarem. Assim que a ameaça é extinguida (conhecer novas pessoas), não há mais perigo nem fonte de preocupação.

Portanto, o seu cérebro não é, necessariamente, seu amigo nem está sempre certo, em particular quando está traumatizado e hipervigilante – independente de quão convicto se sinta em relação aos pensamentos. Quando se torna consciente disso, a sua vida muda. Se sofreu com o trauma num relacionamento, desconfie muito do que o seu cérebro tem a dizer sobre as outras pessoas. Lembre-se de que tenta protegê-lo, de uma forma rígida e imperfeita. Observe os seus pensamentos de mente aberta e se esforce para considerar novas perspectivas. Não dê crédito, de saída, às teorias negativas que tentam convencê-lo a não confiar em ninguém e tolere o desconforto que surge ao se entregar ao desconhecido, com uma fé cega na própria competência e bondade dos seres humanos. Questione a resistência do seu cérebro em permiti-lo a aprender com a experiência. Você consegue tolerar a dor, caso surja, bem como superá-la com força emocional e maturidade.

Como administrar a hipervigilância e sair do modo luta ou fuga

Como administrar a hipervigilância e sair do modo luta ou fuga

A meditação aumenta a felicidade

Como aprendemos no artigo anterior do blog do Filhas de Mães Narcisistas, a hipervigilância, ou a visão tendenciosa ao perigo, é um dos efeitos do trauma complexo de se crescer em um ambiente de abuso e estresse tóxico. Este estado contínuo de alerta, além de interferir com a capacidade de se sentir segura e ter controle das emoções, mantém ou exacerba os sintomas dos transtornos de ansiedade, como o obsessivo compulsivo e de estresse pós-traumático (simples ou complexo), por exemplo. Se sofre de ansiedade e gostaria de resolver o problema de forma autônoma, saudável e sem depender de remédios, seguem algumas estratégias funcionais de como administrar a hipervigilância e sair do modo luta ou fuga:

Pratique a meditação regularmente: a meditação é uma superferramenta de equilíbrio emocional, principalmente para quem sofre com os pensamentos disfuncionais e a preocupação excessiva. Uma vez que você consiga introduzir o hábito de limpar a sua mente deste lixo cognitivo, ficará em uma posição privilegiada para exercer o controle sobre as emoções antagônicas. Os benefícios da meditação, no entanto, excedem o da regulação emocional, mas incluem os seguintes:

A meditação aumenta …

  • a felicidade
  • a função imunológica
  • a massa cinzenta
  • o volume de áreas relacionadas à regulação emocional, emoções positivas e autocontrole
  • a espessura cortical em áreas relacionadas à atenção
  • a conexão social e a inteligência emocional
  • o foco e a atenção

Diminui…

  • a dor
  • a Inflamação em nível celular
  • a depressão
  • a ansiedade
  • o estresse

Melhora…

  • a capacidade de regular as emoções
  • a capacidade de introspecção
  • a produtividade
  • a capacidade de multitarefa
  • a memória
  • a criatividade

Eu recomendo muitíssimo o livro do Mark Williams, Atenção Plena: Mindfulness  para quem quer se iniciar na prática da meditação, já que contém áudios de meditações guiadas e vem no formato de um programa de oito semanas, o qual foi comprovado cientificamente ser capaz de induzir mudanças positivas no cérebro.

Faça um detox das redes sociais: a sua dependência do celular como fonte de entretenimento e distração, bem como de outros aparatos eletrônicos, tais como a TV, o computador e o tablet, tem um grande potencial de resultar em sobrecarga sensorial. Esta superestimulação, a qual tem início já quando acorda e termina somente à noite, aumenta a hipervigilância e, portanto, a ansiedade, além de mantê-la presa a um mau hábito. Limite o contato com as “telas” e o acesso às redes sociais para que, conscientemente, resista à tentação e aprenda a controlar o impulso. No seu tempo livre, leia um livro, jogue ou brinque com os filhos, medite, converse com um colega, parceiro ou com o vizinho, faça um chá, dance, ouça música, faça exercício ou saia para caminhar, por exemplo, substituindo, de forma proativa, um hábito prejudicial por aqueles que favorecem a sua saúde emocional.

Reduza o consumo de alimentos ricos em carboidratos: o que você come também afeta o seu humor. O consumo de alimentos ricos em carboidratos refinados como o pão branco, batata, arroz branco, massa branca, cereais/sucrilhos, bolos, biscoitos, iogurte com açúcar e sucos, por exemplo, pode causar um desequilíbrio hormonal que resulta na produção dos hormônios do estresse, tais como o cortisol e a adrenalina. Isso explica porque muitos de nós se sentem ansiosos entre as refeições, quando se observa um declínio no nível de glicose no sangue e uma produção dos hormônios do estresse, os quais são responsáveis, também, por restaurá-lo.

Faça exercício/atividade física regularmente: caminhar, correr e fazer aula de dança, por exemplo, contribuem com a melhora de humor, pois reduzem os sintomas da depressão e ansiedade. Isso se deve ao fato de que o exercício e a atividade física aumentam a produção de endorfinas e a sensibilidade do cérebro aos hormônios serotonina (associado ao bem-estar) e norepinefrina (associado à energia), os neurotransmissores que se acredita interferirem com o humor.

Reduza drasticamente ou corte o contato com as pessoas tóxicas: uma característica universal das pessoas tóxicas é que não conseguem regular as emoções nem agirem de forma centrada e empática nos relacionamentos. A mãe narcisista não é uma exceção, pois usa os filhos como muletas emocionais, manipulando-os e abusando destes para se sentir melhor consigo própria. Desta forma, o convívio com tal pessoa irritadiça, inquieta e profundamente insatisfeita, faz com que os filhos se vejam forçados a lidar com uma descarga negativa emocional que não provém de seus próprios corpos. Infelizmente, isso não é algo que possamos controlar com facilidade, pois as emoções são extremamente contagiosas, sejam positivas ou negativas. Essa nossa capacidade de sermos diretamente afetados pelo humor do outro se deve, grandemente, ao que os neurocientistas referem-se como “mimetismo automático” (Chartrand; van Baaren, 2009), ou a imitação inconsciente ou automática da fala, movimentos, gestos, expressões faciais e olhar fixo  das pessoas com as quais interagimos. De acordo com Prochazkova e Kret (2017), “Quando as pessoas inconscientemente imitam as expressões de emoção do parceiro, elas também passam a sentir as reflexões dessas emoções” (“When people unconsciously mimic their partner’s expressions of emotion, they come to feel reflections of those emotions as well”), o que explica porque você se sente tão mal ao lado da genitora narcisista, até quando se encontra de boca fechada. Portanto, se deseja sentir-se feliz e equilibrada, é vital que se concentre nos relacionamentos funcionais e nas pessoas que a favorecem emocionalmente, limitando o contato com aquelas que não lhe fazem bem, como, por exemplo, o seu gatilho número 1, nominalmente, a mãe narcisista. Se isto lhe parece uma ideia atraente, mas não sabe como executá-la, recomendo a leitura do meu livro Prisioneiras do Espelho, Um Guia de Liberdade Pessoal para Filhas de Mães Narcisistas, pois contém dicas práticas de como cortar ou reduzir o contato através do “Relacionamento Light” (Prisioneiras… página 201).

Faça terapia: somente o fato de saber que tem alguém com quem conversar, que a compreende sem julgamento, é confortante, pois reduz os sentimentos de solidão, rejeição, alienação e isolamento, tão característicos das filhas de mães narcisistas. Além disso, ter um espaço seguro para desabafar, dar voz à angustia e externá-la ajuda a regulá-la, assim como as demais emoções antagônicas, tais como a raiva acumulada, tristeza e vergonha crônica, entre outros efeitos do trauma. Para ter acesso a uma lista completa dos efeitos do trauma e abordagens terapêuticas que recomendo para filhos e filhas de mães narcisistas, sugiro a leitura do Filhas de Mães Narcisistas, Conhecimento Cura.

Para não se sentir presa no feedback loop da hipervigilância e ansiedade (hipervigilância » ansiedade » hipervigilância), monitore como se sente, assim como atitudes, hábitos, pensamentos e relacionamentos que tenham um efeito nocivo em seu equilíbrio e em sua saúde emocional. Sobretudo, para sair do modo luta ou fuga e começar a curtir a vida, saia da zona de conforto, aprenda a tolerar o desconforto e passe a agir como uma sobrevivente e agente de mudanças.

Sinais e sintomas de que está operando no modo luta ou fuga

Se é uma leitora assídua deste blog, sabe quais são os efeitos do estresse tóxico resultantes de um longo convívio com uma família disfuncional e mãe narcisista na sua mente, no seu corpo e no espírito. Um dos efeitos mais marcantes deste trauma é a hipervigilância ou um estado contínuo de alerta. Isso se deve ao fato de que, neurobiologicamente, as filhas e os filhos de mães narcisistas foram programados para estarem sempre preparados para enfrentar um eminente perigo ou ameaça ao seu bem-estar, ou seja, para lutar ou fugir de ataques, essencialmente, de sua genitora abusiva. Como este estado é extremamente prejudicial não somente a sua saúde psicológica e emocional, mas também física, segue uma lista completa dos sinais e sintomas de que está operando no modo luta ou fuga para aumentar a sua compreensão acerca do problema:

Sinais e sintomas de que está operando no modo luta ou fuga

Um dos efeitos mais marcantes do seu trauma é a hipervigilância ou um estado contínuo de alerta

  1. Você tem o hábito de imaginar catástrofes ou antecipar um resultado negativo.
  2. Você sofre de armouring ou tensão nos músculos da região dos ombros, nuca e mandíbula.
  3. Você dispõe de grande energia em agradar e sente-se insegura e até culpada quando não consegue cativar a todos.
  4. Você é impulsiva e age com base em emoções fortes, além de não ter paciência para aguardar por uma resolução mais centrada e refletir com calma acerca das alternativas.
  5. Você possui uma visão de mundo excessivamente subjetiva e tendenciosa para o negativo, portanto, quando algo não ocorre como esperado, acredita que a responsabilidade é sua ou tem a ver com você de alguma forma.
  6. Você tem dificuldade de se identificar com as emoções antagônicas em suas diversas intensidades e parece ser capaz de senti-las somente de forma excessiva, crônica ou patológica. O que é, potencialmente, uma expressão coerente e saudável de tristeza, por exemplo, torna-se “depressão”, a raiva é considerada “descontrole/loucura” e o medo, “ansiedade”.
  7. Você tem dificuldade de criar e manter relacionamentos funcionais e duradouros.
  8. Você tem medo de perder as pessoas que ama, bem como os animais de estimação, e tem pensamentos intrusivos com cenários nos quais morrem de um jeito terrível ou inesperado.
  9. Você sofre de terror noturno e demais distúrbios do sono, tal como a insônia.
  10. Quando percebe certa seriedade, insegurança, ansiedade ou frustração no comportamento de outra pessoa, prepara-se para “o pior”.
  11. Quando alguém age de forma ríspida ou não demonstra interesse por você, leva para o lado pessoal e fica ruminando sobre o ocorrido por um longo período.
  12. Você se sente vulnerável e incapaz de se autoafirmar, proteger-se e implementar mudanças positivas em sua vida.
  13. Você tem plena ciência do que não lhe agrada, mas se sente perdida em relação a si mesma e não sabe quem verdadeiramente é, do que gosta e deseja fazer da própria vida.
  14. Você fica nervosa em relação aos afazeres ou às pessoas com as quais convive, sem ao menos saber o porquê e mesmo quando tem plena competência para executá-los e de interagir socialmente de modo satisfatório.
  15. Você sente um medo terrível de forma bastante inesperada, o qual não corresponde às circunstâncias atuais.
  16. Quando recebe uma crítica construtiva ou é agredida verbalmente, sente-se pessoalmente atacada, assume uma atitude defensiva ou congela na frente do outro, tornando-se muda e desorganizada cognitivamente e sem saber o que dizer, como agir ou se defender.
  17. Você está solteira há bastante tempo e evita envolver-se emocionalmente com outra pessoa por ter sido magoada no passado e acredita que irá passar por isso novamente.
  18. No seu caso, não existe estresse bom (temporário, saudável/energizante e motivador), mas somente ruim (crônico, disfuncional/patológico e debilitante).
  19. Você está sempre irritada com alguém ou alguma coisa e tem crises de raiva com facilidade.
  20. Você é bombardeada por pensamentos intrusivos de cenários imaginários em que se vê exposta a perigos ou a ataques ao seu bem-estar e a sua autoestima.
  21. A paz, calma e harmonia são entediantes para você e só se sente verdadeiramente viva quando engaja em comportamentos excessivos, a vida é repleta de drama ou passa por momentos de altos e baixos.
  22. Você não tem vontade de ter relações sexuais com o(a) parceiro(a), consegue ter prazer no sexo ou sente que precisa forçar-se para concentrar-se no momento e conseguir curti-lo.
  23. Você se sente desconectada das pessoas a sua volta ou as considera como uma ameaça a sua autoestima e ao seu bem-estar.
  24. Quando precisa entregar um trabalho ou fazer algo que será analisado por outra pessoa, leva um longo tempo para iniciá-lo, procrastina e, quando finalmente o finaliza, revisa o que produziu mil vezes e de forma neurótica como se fosse proibido cometer erros.
  25. Você tem uma imensa dificuldade de relaxar e parece estar sempre cansada, desmotivada e sem energia até para fazer o que lhe dá prazer.
  26. Você tem problemas de relacionamento que parecem não melhorar com o tempo e a idade.
  27. Você possui um transtorno alimentar, de personalidade, ansiedade e/ou humor.
  28. Você sente uma solidão e um vazio existencial imensos que parecem não diminuir com a experiência.
  29. Você tem dificuldade de viver no presente e curtir os pequenos prazeres da vida.
  30. Você tem pensamentos de suicídio.
  31. Você se assusta com grande facilidade.
  32. Você tem asma, câncer, é diabética ou sofre de uma doença crônica inflamatória ou autoimune.
  33. Você evita ambientes novos ou o contato com as pessoas que não conhece bem, a todo o custo, assim como as interações comunicativas delicadas e que exijam uma atitude assertiva.
  34. Quando você se força ou precisa encontrar uma pessoa desagradável, fica tentando prepara-se para o evento de forma neurótica e obsessiva, como se fosse uma questão de vida ou morte.
  35. Você perde o sono com muita facilidade, seja porque tem de entregar um trabalho na faculdade, mudar de residência, fazer uma apresentação no trabalho, interagir com uma pessoa difícil/importante etc.
  36. Você tem dificuldade de concentração e sente-se facilmente distraída pelo que acontece a sua volta.
  37. Você tem o hábito de desconfiar dos outros e tentar ler a sua mente para descobrir quem são e as “verdadeiras intenções”.
  38. O seu desenvolvimento (formação de identidade, autonomia, maturidade emocional, crescimento pessoal e profissional) parece não progredir de maneira substancial com a passagem do tempo, ou se iniciou mais tarde do que a média das pessoas.
  39. Você é impaciente, reativa e sente-se frequentemente insatisfeita, envergonhada e culpada pela forma como age.
  40. Você se sente inepta intelectualmente ou acredita ter dificuldade de aprendizado, pois leva tempo para resolver os problemas e/ou memorizar e aprender coisas simples.
  41. Você se atrasa com grande frequência e tem dificuldade de se organizar e manter compromissos.
  42. Você sofre de ansiedade crônica e só consegue sentir-se bem quando come, faz compras, está sob medicação psiquiátrica tal como os antidepressivos e ansiolíticos, consome bebida alcoólica, joga, usa drogas ou exercita-se, por exemplo.
  43. Você já teve pelo menos um episódio depressivo e se vê em risco de passar por isso novamente.

Caso tenha se identificado com esses exemplos e acredita que esteja operando no modo luta ou fuga, recomendo que enderece o problema da hipervigilância através de uma atitude proativa e consciente. No próximo artigo, incluirei dicas de como administrá-la de forma natural, saudável e, sobretudo, sem a ajuda de remédios. Para ser avisada por e-mail da data de publicação deste e outros artigos publicados no Filhas de Mães Narcisistas, basta cadastrar-se na nossa Newsletter.

Entenda a conexão entre o trauma, os problemas de equilíbrio emocional e a insatisfação sexual

Entenda a conexão entre o trauma, os problemas de equilíbrio emocional e a insatisfação sexual

A insatisfação sexual é uma questão que tende a afligir as vítimas de abuso narcisista

No artigo anterior deste blog, “Como regular as emoções negativas”, sugeri técnicas simples para a regulação emocional, algo que comumente revela-se como um desafio para as filhas de mães narcisistas. No presente artigo, exploraremos outra questão que tende a afligir as vítimas de abuso narcisista e que está intrinsicamente relacionada a sua história de trauma e dificuldade de regular as emoções: a insatisfação sexual.

Embora a conexão entre o abuso sexual e o desenvolvimento dos problemas desta ordem seja-nos fácil de ser concebida, associar o trauma causado pelos abusos de natureza psicológica/emocional e a falta de satisfação sexual da vítima não é algo que exploremos com a mesma naturalidade. Comumente se observa, inclusive no ambiente terapêutico, é que a vida sexual do(a) cliente – se lidada na sala de terapia – raramente é examinada sob a perspectiva do trauma, sobretudo quando não está relacionada, essencialmente, a um histórico de abuso sexual. Enquanto que compreendemos o impacto negativo que o estupro potencialmente cause nas relações sexuais após o evento, é difícil imaginar como ser humilhado e rejeitado por uma mãe tóxica ao longo do desenvolvimento influencia a capacidade de um indivíduo de ter uma vida sexual satisfatória na idade adulta.

A verdade, nua e crua, é que independente da natureza do trauma, todos têm o potencial de causar um grande impacto na qualidade de vida da vítima, inclusive sexual. Abaixo estudaremos os principais fatores que contribuem para este cenário e expõem a conexão entre o trauma, os problemas de controle emocional e a insatisfação sexual.

Alta reatividade

Se você é um leitor assíduo dos artigos publicados no blog do Filhas de Mães Narcisistas, já está ciente de que o cérebro humano, quando exposto a contínuo estresse tal como é característico ao se crescer sob a tirania de uma mãe narcisista, apresenta duas características centrais:

  1. Alta sensibilidade do sistema límbico ou região do medo
  2. Baixa atividade do córtex cerebral ou região do pensamento analítico e objetivo

Em vista disso, a carga emocional das vítimas do trauma do desenvolvimento tende a ser demasiado pesada, pois sofrem de estresse crônico e se abalam emocionalmente com facilidade, o que torna difícil levar a vida de forma leve. Portanto, sentir-se bem, relaxada e disposta para ter relações sexuais pode equivaler-se, literalmente, a um grande esforço. Um estudo com gêmeos realizado por Harris et al. (2008) confirmou esta tendência quando demonstrou que aqueles que se descreveram como ansiosos e emocionalmente instáveis, ansiosos, ou que se perturbam com facilidade, são menos propensos a atingir o orgasmo regularmente do que aqueles que se consideraram mais estáveis emocionalmente. De fato, faz sentido concordar com Barlow et al. (2002) ao afirmarem que a ansiedade e o alto nível de estresse impedem a excitação sexual, já que divergem o foco dos estímulos sexuais.

Estilo de apego inseguro

As filhas de mãe narcisistas apresentam um estilo de apego ou vínculo inseguro no contexto relacional, ou seja, nutrem um profundo medo de confiar nas outras pessoas e serem abusadas e rejeitadas novamente. Esta inclinação, por mais que seja automática e inconsciente, cria imensas barreiras à intimidade, à saúde de sua vida sexual e ao sucesso de relacionamentos, em especial os amorosos. Quem não se sente segura também dentro da própria pele nem possui as ferramentas saudáveis para lidar com a inadequação, acaba se distanciando das emoções e do próprio corpo como uma medida (falha) de “regulação emocional”. Quando você negligencia o corpo e as emoções, a sua autoestima vai para o fundo do poço.  Nestes contextos, você se esquiva de ter relações e concentra-se exclusivamente nas necessidades do(a) parceiro(a), o que reduz ainda mais a sua satisfação sexual não somente a curto, mas também a longo prazo.

A conexão entre o trauma, os problemas de equilíbrio emocional e a insatisfação sexual faz-se clara quando analisamos os efeitos no cérebro e corpo da vítima de forma holística. Se você está insatisfeita com a sua capacidade de regular as emoções e a qualidade da sua vida sexual, é vital que invista tempo e energia para curar as feridas do seu trauma e aprenda a controlar o estresse ativamente, já que nunca é tarde para se dedicar a medidas de melhoramento de qualidade de vida e dos relacionamentos.

Referências

Harris J.M., Cherkas L.F., Kato B.S., Heiman J.R. & Spector T.D. (2008). Normal variations in personality are associated with coital orgasmic infrequency in heterosexual women: A population-based study. Journal of Sexual Medicine, 5, 1177–1183.

Barlow, D. H., Wiegel, M. & Scepkowski, L. A. (2002). Cognitive-Affective Processes in Sexual Arousal and Sexual Dysfunction. Boston, MA: Markus and Boston University.

Como regular as emoções negativas

Uma das reclamações mais frequentes que recebo de minhas clientes é que têm dificuldade de regular as emoções antagônicas. Como cresceram em um ambiente de extrema negligência emocional, é compreensível que sejam deficientes nesta área, já que foram condicionadas, desde pequenas, a reprimirem e até a descartarem a própria inadequação para se concentrarem nas necessidades de suas mães narcisistas. Além disso, em função do seu desenvolvimento ter ocorrido em um ambiente de intenso estresse resultante do convívio com uma mãe abusiva, possuem uma alta sensibilidade do sistema límbico, o que aumenta a sua reatividade (para mais informações sobre o sistema límbico e como o trauma do desenvolvimento afeta o cérebro, clique aqui).  Em vista destes fatores, faz-se vital que aprendam como superar esta deficiência para aumentarem a sua qualidade de vida e dos relacionamentos.

Como regular as emoções negativas

As filhas de mães narcisistas têm dificuldade de regular as emoções antagônicas

Para ajudá-la a regular as emoções negativas, recomendo seguir os 5 passos abaixo descritos, na ordem sugerida:

1- Avalie o seu estado emocional e decida se precisa agir

Assim que perceber uma mudança em seu humor, aumente a consciência sobre o seu estado emocional registrando o momento mentalmente, ou seja, que não está bem. Validar a própria inadequação e atribuir-lhe a relevância que merece de forma consciente e autônoma facilita o desencadeamento do processo de regulação emocional. Logo que notar que não está se sentindo bem (estressada, com raiva etc.), pergunte-se: “Preciso fazer algo a respeito?”. O intuito desta simples pergunta é mobilizá-la para a ação, se julgar necessária. Se não sabe como avaliar se precisa tomar uma atitude, lembre-se do seguinte: a emoção negativa de maior duração é a tristeza, podendo durar até cinco dias, enquanto que a vergonha, a surpresa, o  medo, a repulsa e a irritação possuem duração menor (em média, 30 a 60 minutos (Verduyn & Lavrijsen, 2015)), portanto, se exceder esta média, provavelmente, merece a sua atenção.

2- Identifique as emoções, a primária e a secundária

Quando estudamos os processos de fluxo e regulação das emoções, percebemos que não são tão simples como parecem. A raiva ou culpa que você sente, por exemplo, pode não ser o sentimento que predomina na sua reação emocional. Segundo Lazarus (1991), o renomado psicólogo e teórico das emoções, o processo de regulação emocional é feito através de uma transição entre uma emoção primária (instantânea, desregulada) e secundária (reguladora), o que pode dificultar o nosso entendimento acerca do que estamos sentindo e porquê. Para entender este fenômeno, imagine que está dirigindo em alta velocidade, quando um motorista inconsequente corta a sua frente. Então, o que sente, raiva? Nestes casos, a raiva é a emoção secundária e não a primária, pois ocorre após o medo de perder o controle do carro e nos ajuda a regulá-lo. A raiva, neste contexto, contribui para reavermos a nossa autoestima e confiança em nós mesmos, bem como nossas habilidades. O conhecimento de que as emoções vêm em tais “ondas” pode direcioná-la de forma mais acurada para a raiz da sua inadequação, um processo que, por si só, diminuirá a sua intensidade.

3- Aja imediatamente

Quando dominada ou incomodada por uma emoção antagônica persistente, não perca tempo e faça algo a respeito, o quanto antes. Quanto mais cedo você lidar com a sua inadequação, menos prejuízo lhe causará. Há várias maneiras de lidar ativamente com as emoções antagônicas, como através de exercícios de respiração e relaxamento muscular progressivo de Jacobson. Eu sugiro muitíssimo ambos não somente como estratégias funcionais de regulação emocional, mas também como práticas regulares para o controle da hipervigilância (um dos principais sintomas do TEPT-C, Transtorno do Estresse Pós-traumático Complexo).

4- Exerça o controle cognitivo

Se deseja desenvolver a sua capacidade de autocontrole, é fundamental que trabalhe com o seu córtex pré-frontal, a região do cérebro responsável, entre outros, pela metacognição e regulação de comportamentos impulsivos, tais como aqueles altamente influenciados pela raiva. Abaixo são elencadas algumas técnicas cognitivas básicas que a ajudarão a ativar esta área altamente sofisticada do seu cérebro:

  1. Redobre o seu nível de autoconsciência. Monitore os seus pensamentos, comportamentos e emoções diariamente. Registre, seja mentalmente ou com a ajuda de um diário, a maneira como os seus pensamentos influenciam o seu estado emocional e comportamento e vice-versa. Identifique, sobretudo, o tom do seu diálogo interno e os tipos de pensamentos que funcionam como gatilhos para a sua inadequação e desembocam em comportamentos disfuncionais.
  2. Questione os pensamentos negativos com a ajuda de um Relatório Diário de Pensamentos Disfuncionais (RDPD). As filhas de mães narcisistas tendem a sofrer com a autocrítica e uma grande variedade de pensamentos improdutivos, como explico no meu livro Filhas de Mães Narcisistas, Conhecimento Cura. Estes pensamentos disfuncionais estão no cerne de sua inadequação, já que é difícil sentir-se alegre e confiante quando se carrega uma mini mãe narcisista dento do próprio cérebro. Para calar a boca desta tirana interna e exercer mais controle sobre as emoções, recomendo completar um RDPD pelo período de no mínimo duas semanas, para aprender como questionar os pensamentos negativos que afetam o seu humor.
  3. Identifique as suas vulnerabilidades. Quando as minhas clientes não estão bem emocionalmente, os seus níveis de codependência, procrastinação e perfeccionismo, por exemplo, tendem a encontrarem-se altos. Isso se deve ao fato de que tais vulnerabilidades abrangem estratégias de enfrentamento disfuncionais para reavermos a nossa autoestima e regularmos a nossa inadequação. A questão é que não resolvem o problema a longo prazo, mas acabam por estendê-lo, portanto, ao se flagrar fazendo uso de tais táticas, abandone-as imediatamente e aplique as sugeridas neste artigo.

5- Pratique a autoaceitação

Sentir as emoções negativas faz parte de ser humano. Assim como nem toda a emoção negativa tem um propósito, é normal senti-las na grande diversidade de situações que compõe a existência. O seu sucesso em regular e até controlar as emoções também depende da sua capacidade de aceitá-las com tolerância e respeito. Mesmo quando parecer não fazerem sentido, aceite-as para que consiga aceitar a si mesmo. Indivíduos autoconfiantes, íntegros e centrados são aqueles que agem de forma emocionalmente congruente e madura e que se permitem honrar todas as emoções que constituem o repertório humano, sejam positivas ou não.

Referências

Lazarus, R. S. (1991). Progress on a cognitive-motivational-relational theory of emotion. American Psychologist, 46, 819-834.

Verduyn, P. & Lavrijsen, S. (2015). Which emotions last longest and why: The role of event importance and rumination. Motiv Emot, 39, 119–127. DOI 10.1007/s11031-014-9445-y

De que forma o trauma do desenvolvimento afeta o cérebro?

Crescer em um ambiente marcado pelo abuso tende a afetar o desenvolvimento de uma criança

Crescer em um ambiente marcado pelo abuso, seja de ordem emocional/psicológica e/ou física, tende a afetar o desenvolvimento de uma criança. Para filhos e filhas de mães narcisistas, assim como de mães tóxicas, o trauma do desenvolvimento compromete a sua capacidade de viver uma vida plena e de realizações. Isso se deve ao fato de que o estresse ao qual são submetidos quando crianças exerce um impacto negativo em seu desenvolvimento neurobiológico. Indivíduos que, durante a infância, sofreram com a negligência dos seus responsáveis e/ou foram constantemente agredidos de forma física e/ou verbal e, como consequência, estiveram sob a influência frequente de intensos sentimentos de inadequação, tais como: a solidão, o medo, a culpa e a vergonha, apresentam cérebros programados no modo “sobrevivência”.

Na prática, este constante estado de alerta permanece devido ao alto funcionamento de certas áreas do cérebro, enquanto outras se mantêm inativas ou apresentam baixa atividade. A seguir, elencam-se as consequências mais proeminentes e que foram estudadas nos exames de imagem realizados em um grande número de pesquisas científicas referente aos efeitos do trauma na infância, juntamente com os seus efeitos nas vítimas sobreviventes:

1- Alta sensibilidade do sistema límbico

O sistema límbico, composto por estruturas como o hipotálamo, o tálamo, a amígdala e o hipocampo, é considerado o “cérebro emocional”. Esta área é responsável, entre outras, por detectar ameaças ao nosso bem-estar e nos mobilizar para uma resposta: a fuga ou a luta. Nos indivíduos cujas histórias pessoais de desenvolvimento incluem a negligência e/ou abuso, o sistema límbico (especialmente a amígdala) é hiperativo, ou seja, tende a responder muito mais fácil e rapidamente a supostas “ameaças”. No entanto, trata-se de uma reação exagerada que não reflete a realidade de forma acurada, na maioria das vezes, identifica perigos onde não existem e gerando estresse desnecessário.

Efeitos: índice elevado do hormônio do estresse – cortisol – no sangue, problemas de concentração, dificuldade de aprendizado, de manter metas, de se organizar e de regular as emoções, irritabilidade, insônia/problemas do sono, reflexo de susto exagerado, hipersensibilidade à luz e a sons, entre outros.

Uma das reclamações mais comuns de minhas clientes é que se consideram altamente reativas – ou que se abalam com grande facilidade – até quando reconhecem que as suas reações emocionais são desproporcionadas. Além disso, relatam que ao se sentirem afetadas emocionalmente, seja pela raiva ou ansiedade (em geral, causada pela preocupação excessiva), por exemplo, têm dificuldade de voltarem “ao normal” ou se desligarem destas com a agilidade de que gostariam.

2- Baixa atividade do córtex cerebral

O córtex cerebral compreende a parte do cérebro onde se originam os pensamentos analíticos e racionais, além de tratar de funções relacionadas ao aprendizado e à nossa habilidade de resolver problemas de modo objetivo. O córtex pré-frontal, em especial, é responsável pela reflexão balanceada e objetiva que permite ao indivíduo analisar e fazer planos, decisões e julgamentos baseado em comportamentos passados. Também é onde não só se avalia o próprio pensamento ou funções cognitivas (metacognição) (Fleming, Huijgen & Dolan, 2012), bem como regula os impulsos, as vontades, as compulsões e o comportamento nas interações sociais. Nas vítimas sobreviventes do trauma do desenvolvimento, a reatividade emocional é tão grande e a atividade da amígdala tão rápida e intensa, que tende a dominar o processo de interpretação de informação. Como resultado, o córtex, literalmente, “não tem chance” (Van der Kolk, 2014) de auxiliá-las a interagirem com o mundo a sua volta e com seus próprios pensamentos de uma forma equilibrada, adulta e sem a influência das crenças e emoções relacionadas ao trauma.

Efeitos: alta reatividade emocional (ex.: alta raiva e ansiedade que não diminuem com o tempo), temperamento volátil, dificuldade de criar e manter relacionamentos saudáveis e de regular as emoções, as vontades, os impulsos e os comportamentos nas interações sociais.

Este fenômeno é observado, de forma clássica, na atitude daquela cliente e filha de mãe tóxica/narcisista que, embora seja adulta, inteligente e tenha plenas condições de viver uma vida autônoma, sente-se como uma criança e totalmente pressionada pela própria inadequação. Portanto, assemelha-se ao indivíduo que primeiro age para pensar depois e, por consequência, arrepende-se seguidamente de seu próprio comportamento ou sente-se descontente com a maneira pela qual responde a situações estressantes ou que requerem uma atitude mais equilibrada e autocentrada. Quando se permite parar para pensar a respeito de si e suas opções de forma calma e centrada – tal como no ambiente da terapia – agem de maneira a, naturalmente, ativar as áreas de seu cérebro responsáveis pelo raciocínio objetivo, tal como o córtex.

Se você se identifica com os pontos mencionados, não é por ser “incompetente”, “burra”, “errada” ou “lesada”, mas porque está sofrendo com os efeitos do trauma do desenvolvimento. Estas reações não são aberrantes, mas normais considerando o contexto do abuso e da negligência ao qual foi submetida durante muito tempo. Neste sentido, o seu cérebro não é deficiente e exerceu perfeitamente o papel que deveria, ao tentar não apenas proteger os seus bem-estares físico, emocional e psicológico, assim como preservar o relacionamento com as pessoas responsáveis pela sua sobrevivência e que deveriam, em teoria, terem-na protegido e assegurado um ambiente familiar funcional e harmonioso para o seu desenvolvimento. Para lidar com os efeitos do trauma da melhor maneira possível, é vital que, em primeiro lugar, conscientize-se desta verdade.

Referências

Fleming, S. M., Huijgen, J. & Dolan, R. J. (2012). Prefrontal Contributions to Metacognition in Perceptual Decision-Making. J Neurosci. 32(18): 6117–6125. doi: 10.1523/JNEUROSCI.6489-11.2012

Van der Kolk, B. (2014). The Body Keeps the Score: Mind, Brain and the Body in the Transformation of Trauma. London, UK: Penguin Books.

 

Quais são os 5 sinais de trauma do desenvolvimento mais evidentes?

Os sinais de trauma do desenvolvimento mal resolvido na idade adulta correspondem a uma série de eventos traumáticos na infância. Filhos e filhas de mães narcisistas, por crescerem em um ambiente de intenso abuso, negligência e instabilidade emocional correm o risco de apresentarem dificuldades em uma ou mais áreas de seu desenvolvimento, tais como: apego, biologia, equilíbrio emocional, capacidade cognitiva e autoconfiança. Sentir-se rejeitada, ignorada e, por vezes, totalmente inadequada na presença da genitora narcisista cria um ambiente hostil e repleto de ansiedade para o crescimento e desenvolvimento sadio de qualquer criança. A incoerência do estilo “maternal” deste tipo de mãe faz com que a filha, em particular, esteja sempre em alerta a possíveis perigos, como ser atacada física ou verbalmente por quem, supostamente, deveria amá-la e protegê-la. Por conseguinte, a atenção que deveria estar voltada para o desenvolvimento de características pessoais e funções mais sofisticadas de sua psique direciona-se para as suas necessidades básicas, como a sobrevivência e autopreservação, prejudicando o desenvolvimento de sua identidade e contribuindo para a criação de uma percepção essencialmente negativa e tendenciosa de si mesma, de mundo e relacionamentos. Caso você seja filho ou filha de uma mãe narcisista, a probabilidade de que tenha sofrido com o trauma do desenvolvimento é muito alta. Para entender a maneira pela qual crescer sob a tirania de uma mãe narcisista tem o potencial de afetar a sua mente, corpo e relacionamentos seguem os 5 sinais de trauma do desenvolvimento mais evidentes:

1- Você não tem uma visão coerente de si mesmo

Crescer acreditando que não é digna de ser amada, é incompetente e nada do que faz é bom o suficiente compromete a nossa capacidade de desenvolver uma percepção sadia e confiante de nós mesmos. É ter a essência constante e sistematicamente negada de forma tão cruel e persistente, como se houvesse algo errado consigo. A filha de mãe narcisista cresce acreditando ser de fato “quebrada” ou “errada”, percepção prejudicial não somente a autoimagem, com também a sua identidade, pois acaba investindo ainda mais energia desperdiçada em tornar-se alguém programado somente para satisfazer a mãe narcisista, perdendo o contato com o seu verdadeiro eu para proteger-se dos ataques dela e salvaguardar este relacionamento tóxico. Já na idade adulta, tem dificuldades de realizar-se nos campos pessoal, acadêmico e/ou profissional, pois não sabe ou encontra sérias dificuldades de reconhecer quem é, do que gosta e é capaz.

2- Você se sente facilmente sobrecarregada por pensamentos e sentimentos

Quais são os 5 sinais de trauma do desenvolvimento mais evidentes

Os sinais de trauma do desenvolvimento mal resolvido na idade adulta correspondem a uma série de eventos traumáticos na infância

Como o seu cérebro se desenvolveu em um ambiente hostil, adaptou-se a isso para protegê-la de ameaças ao seu bem-estar, sejam estas da natureza física ou psicológica/emocional. Filhas de mãe narcisistas são facilmente influenciadas por seus próprios pensamentos e sentimentos, sobretudo quando negativos. Dado que a sua sobrevivência, ou seja, sentir-se segura e protegida foram sempre a sua prioridade, leva-se muito a sério e confia em seus instintos muito mais do que na própria razão, como se fosse um animal selvagem sentindo-se permanentemente acuado por um predador. Por outro lado, a combinação de seu isolamento emocional, excesso de independência e visão tendenciosa faz com que seja suscetível às suas perturbações próprias emocionais e pareceres demasiado negativos os quais não revelam, necessariamente, uma fiel representação dos fatos.

3- Você tem dificuldade de regular as suas emoções

O adulto que quando criança não conta com a presença calma, tranquila e centrada de uma mãe atenciosa e consistente com as suas necessidades tem dificuldades de se equilibrar emocionalmente, já que aprendemos a regular as emoções com a ajuda do nosso genitor mais influente ou adulto responsável pelos nossos cuidados através do toque, afeição e carinho. Filhas de mãe narcisistas tendem a não conseguir equilibrar as emoções de uma forma efetiva e independente, geralmente necessitam se automedicar. Portanto, é bastante comum terem problemas de ansiedade, tal como o Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), assim como um índice de cortisol no sangue acima da média. A vida, como resultado, parece uma grande batalha para a filha de mãe narcisista, fazendo do drama, da angústia e do estresse características fixas e até “aceitáveis” de sua existência. Já que o seu “normal” é um intenso estado de alerta – seja este consciente ou não – inúmeras situações têm o potencial de desestabilizá-la emocionalmente.

4- Você tem dificuldade de criar relacionamentos seguros e estáveis

As vítimas sobreviventes de trauma do desenvolvimento tendem a apresentar dificuldades no campo dos relacionamentos, principalmente no amoroso. Visto que não possuem um adequado senso de segurança interno e externo, acham difícil confiar no outro e criar uma conexão afetiva verdadeira com as outras pessoas. Têm tanto receio de se envolverem afetiva e emocionalmente, a ponto de conscientemente se afastarem de qualquer intimidade que as exponha a uma situação de “risco”, tal como serem rejeitadas e maltratadas de novo. Como não conseguem equilibrar as emoções, tornam-se extremamente reativas e instáveis comprometendo, também, o relacionamento. Finalmente, a falta de autoconfiança e a baixa autoestima resultantes de uma percepção negativa de si mesma fazem com que se envolvam com parceiros errados, que não as respeitam e até abusam delas, repetindo o padrão de rejeição e circunstâncias hostis em que foi criada, mas por lhe ser tão familiar, cria uma falsa ilusão de apego e conexão afetiva.

5- Você evita lidar com lembranças traumáticas e dolorosas

Naturalmente, é doloroso revisitar memórias traumáticas. O nosso cérebro sabe disso e nos protege desta dor afastando e até bloqueia essas memórias. Não conseguir relembrar a infância ou se sentir desconfortável quando tenta relatar as experiências de vida com uma mãe narcisista e pai facilitador é um indicio poderoso de que tais memórias são potencialmente traumáticas. Se você não consegue produzir uma narrativa consistente com uma infância feliz e tranquila, citando um razoável número de exemplos de situações em que seus pais estiveram presentes não somente em corpo, mas também em alma para a protegerem, ajudarem-na e a apoiarem, é porque provavelmente este não foi o caso. A inconsistência de um relato de uma pessoa traumatizada pela indiferença materna e/ou paterna, por exemplo, é em si reveladora de que a visão de sua infância não corresponde à realidade dos fatos (a vítima sobrevivente de trauma do desenvolvimento defende que “não há nada de errado” com a sua infância, embora não consiga relembrar nenhum momento em que teria recebido apoio emocional de seus genitores, por exemplo).

Apesar do trauma do desenvolvimento ser um problema de saúde mental bastante complexo, frequentemente afetando o bem-estar emocional, os relacionamentos e a capacidade de realização pessoal da vítima sobrevivente, é possível de ser tratado. Uma atitude consciente e proativa em relação a sua existência, bem como seus efeitos, é por si só emancipadora. Abordar o trauma com honestidade e coragem demonstra-se fundamental para ser superado, seja buscando terapia ou implementando mudanças positivas na própria vida de modo independente. Quando se trata de trauma, a autoconsciência, o conhecimento a respeito do problema e uma atitude autônoma de recuperação do controle sobre a própria vida são indispensáveis para que se consiga curar as feridas do passado.

Terapia que ajuda x terapia que não ajuda

Devido à recente exposição do tema narcisismo materno e o aumento da conscientização em relação ao problema, há um renovado interesse na terapia por parte daqueles que se veem como uma vítima de uma mãe narcisista. Dado a dimensão do prejuízo causado por crescer e se desenvolver sob a tirania de uma mãe abusiva, torna-se natural a ideia da filha procurar apoio de uma profissional na área de saúde mental para lidar com os problemas de ordem psicológica e emocional resultantes deste relacionamento tóxico. Contudo, reunir a coragem e os recursos financeiros necessários para iniciar o tratamento psicoterápico não garante o sucesso de seu resultado. Dentre os inúmeros e-mails que recebo através do filhasdemaesnarcisistas.com.br, muitos incluem relatos de filhas de mães narcisistas que, embora tenham procurado tratamento, não se sentem melhores após terem investido tempo e dinheiro significativos. Isto ocorre porque encontrar a profissional correta para lidar com um assunto tão delicado tem o potencial de tornar-se um processo difícil e até decepcionante, faz-se vital que se informe a respeito do tipo de terapia que tem a maior probabilidade de ajudá-la. Este artigo visa trazer à luz o papel que a terapeuta e o relacionamento com a cliente e, em especial, filha de mãe narcisista, exercem no sucesso ou fracasso da terapia.

O básico

Independente da abordagem terapêutica, a terapia funciona somente quando é Centrada na Pessoa, ou seja, respeita três condições básicas: a consideração positiva incondicional, empatia e congruência. Em termos práticos, isso quer dizer que a terapeuta não só aceita a cliente e suas circunstâncias sem julgá-la, bem como é capaz de se colocar no seu lugar e ver o mundo através de seus olhos com muito respeito, atitude refletida de forma inequívoca nos seus valores e comportamento. Como está ciente de que a cliente é a expert na sua própria vida, acredita nela e trabalha com ela para ajudá-la a promover a autoexploração e o conhecimento.

terapia

Encontrar a profissional correta para lidar com um assunto tão delicado pode tornar-se um processo difícil

Por mais que isso pareça evidente e até inquestionável para se criar um ambiente terapêutico seguro e produtivo, este cenário não é observado em todos os contextos, especialmente quando a cliente apresenta problemas que questionam as crenças da própria terapeuta. No caso da filha de mãe narcisista, uma terapeuta que acredita tão fielmente nas intuições Mãe e Família a ponto de não conseguir questioná-las ou analisá-las sob um ângulo negativo, irá comportar-se de forma naturalmente resistente quando se deparar com uma cliente cujos problemas de ordem psicológica e emocional estejam diretamente relacionados à atitude disfuncional, negligente e abusiva de seus genitores. Esta resistência se faz óbvia em comentários, tais como: “Mas ela é sua mãe”, “Você tem que entender e aprender como lidar com a sua mãe” etc.

Esse tipo de retórica somente reproduz o ambiente familiar de antagonismo e rejeição o qual a filha de mãe narcisista foi forçada a tolerar por longos e sofridos anos. É impossível sentir-se compreendida e aceita quando a própria terapeuta é incapaz de reconhecer e honrar a sua verdade, seja qual for. Portanto, não a complementa ou fortalece, tampouco ajuda a esclarecer os seus sentimentos de inadequação, mas apenas a faz sentir-se ainda mais incongruente, isolada e solitária.

Respeitando a verdade da filha de mãe narcisista

A função da terapeuta também é auxiliar a cliente a construir um senso de realidade que faça sentido e explique a sua experiência de modo coerente. Partindo desta premissa, a terapia que ajuda a filha de mãe narcisista é aquela que aborda os eventos que compõem a sua história como fatos e não fantasia. Quando o objetivo é emancipar a cliente, auxiliá-la a entender o que aconteceu consigo sob uma perspectiva clara e objetiva torna-se indispensável. Ajudá-la a entender que o que sofreu tem nome – abuso – e que, como tal, deixou marcas profundas na sua mente e corpo – o trauma – permite que a filha de mãe narcisista consiga organizar a sua narrativa pessoal de forma lógica. Nestas circunstâncias, há um grande senso de alívio e bem-estar, em que a cliente se torna apta a, finalmente, validar a sua história e os seus sentimentos de impropriedade. Saber a verdadeira origem de sua confusão e insegurança e ter esta verdade confirmada por uma terapeuta empática é, em si só, um ato transformador.

A terapeuta que evita tocar em assuntos tabus, e que, por isso, não associa a experiência da filha de mãe narcisista com a família disfuncional às palavras “abuso” e “trauma”, priva-a de conceber a verdadeira extensão e implicância de não lidar com o seu problema de maneira franca e proativa. Ser vítima de abuso materno narcisista resulta, em sua esmagadora maioria, em trauma de ordem complexa. Os efeitos desta modalidade de trauma são sentidos não somente na infância, como também na idade adulta, frequentemente limitando a capacidade da filha de mãe narcisista de viver uma vida plena e de realizações, pois afetam o seu sistema emocional, corpo, psique e relacionamentos negativamente. A abordagem terapêutica que ajuda a filha de mãe narcisista a superar o trauma é aquela que o entende como fato e o conceitua através de uma elucidação clara e de fácil identificação. Sobretudo, trata-se de uma abordagem que reconhece os seus efeitos não como produtos de simbolismo ou uma imaginação fértil, mas como manifestações reais de um problema de saúde mental que exerce um impacto negativo na sua qualidade de vida.

Se você é filha de mãe narcisista e está pensando em buscar um tratamento, escolher uma terapeuta sensível, que entenda e respeite você, a sua história e verdadeira dimensão do seu problema é fundamental. A terapia que ignora os fatores acima falha em reproduzi-los de forma satisfatória e, portanto, revela-se como uma perda de tempo e dinheiro. Além disso, uma “profissional” que está mais preocupada em provar uma teoria e proteger valores de família absolutos e obsoletos do que reconhecer a verdade de uma cliente traumatizada e vítima de abuso tem o potencial de aliená-la e até retraumatizá-la, prejudicando-a em vez de ajudá-la. Portanto, recomendo cautela.

Quando em terapia, reflita sobre as seguintes perguntas:

  • Eu me sinto compreendida e acolhida por esta terapeuta?
  • Ela parece possuir um conhecimento atualizado e apropriado sobre o meu tipo de problema?
  • Ela aborda o que passei sob a perspectiva do abuso e trauma?
  • Eu me sinto mais esclarecida com os comentários, esclarecimentos e as interpretações desta terapeuta?

Se a resposta for sim para todas essas perguntas, há uma grande probabilidade de que a terapia será produtiva.

2 crenças que ajudam a invalidar o sofrimento da filha de mãe narcisista

Como se não bastasse ser vítima de abuso, a filha de mãe narcisista também tem de lidar com a indiferença daqueles que se recusam a reconhecer a legitimidade de seu sofrimento. Tentar fazer com que os outros entendam a gravidade de sua situação ou a intensidade do impacto que o comportamento irracional da mãe narcisista exerce em você e na sua família revela-se, muitas vezes, algo infrutífero. São raras as situações em que se sentem de fato compreendidas, pois a tendência quase universal é de que suas experiências sejam completamente invalidadas assim que são compartilhadas com uma ou demais pessoas.

Essa descrença não se deve somente à falta de conhecimento acerca dos transtornos de personalidade, mães e pais tóxicos e/ou famílias disfuncionais, como também corresponde a uma atitude intolerante regida por crenças rígidas, incoerentes, que falham significativamente em explicar o comportamento humano de maneira holística, realista e objetiva. A seguir 2 crenças que ajudam a invalidar o sofrimento da filha de mãe narcisista para que você se proteja contra a ignorância alheia:

1- Coisas ruins acontecem a pessoas más

2 crenças que ajudam a invalidar o sofrimento da filha de mãe narcisista

O sofrimento da filha de mãe narcisista é raramente validado

A crença de que o mundo é justo, ou seja, de que coisas ruins só acontecem a pessoas más, é uma das mais simplistas, errôneas e infantis da cultura ocidental. A nossa inclinação natural é de acreditarmos cegamente na suposta bondade universal de todos os seres humanos, sobretudo quando têm trabalho, um nível educacional razoável e parecem cumprir fielmente com a lei. Surpreendemo-nos profundamente quando um vizinho de alto nível social é escoltado para dentro de um carro de polícia por ter tentado matar a mulher a pancadas na noite anterior. Mesmo em face da complexidade e irracionalidade humana, ainda tentamos encontrar justificativas para comportamentos impróprios a fim de que se encaixem na nossa visão fixa de realidade subjetiva (“este tipo de coisa não acontece no meu bairro”). Concluímos, então, que a suposta vítima deve ter contribuído, de alguma forma, para o seu infeliz destino; se esta interpretação se mostra improvável, passamos a questionar ou normalizar a extensão de seu sofrimento.

Da mesma forma, indagamos, “Como uma mãe que trabalha, paga as suas contas em dia e exibe tão boa aparência é capaz de tratar a filha de forma tão brutal?”. Se a filha de mãe narcisista é maltratada pela matriarca é porque fez algo para merecer tal tratamento ou está dramatizando a situação. Ou um ou outro para se encaixar perfeitamente na minha visão de mundo e não abalar os fundamentos da harmonia que me esforço tanto em manter entre a minha perspectiva e experiência. Alimentar a ilusão de que a vida é justa e recompensa o bom comportamento me permite me sentir seguro e bem a respeito de mim mesmo, além de dar significado a minha existência (“nada de ruim acontece/acontecerá comigo, pois sou uma boa pessoa”).

2- Os seres humanos são mestres de seus próprios destinos

Outra crença falsa que promove uma ideia utópica de que somos capazes de exercer total controle sobre nossas vidas. Além disso, ajuda a disseminar uma noção rígida e desumana de perfeição e equilíbrio em todos os contextos, excluindo vulnerabilidades como se não fizessem parte da nossa constituição ou contribuíssem para definir a nossa história.  Como resultado, vítimas de injustiça, assim como sofredores de abuso e trauma são rapidamente esquecidos, considerados incompetentes, fracos e/ou merecedores de seu destino, visto que, supostamente, falharam em influenciar os eventos de sua vida de maneira positiva.

A filha de mãe narcisista que dá voz a seu sofrimento tende a ser repreendida, excluída ou julgada negativamente por ser um inconveniente lembrete da fragilidade e maldade humana. Aceitar a realidade de milhões de crianças, homens e mulheres ao redor do mundo que são ou foram abusados psicológica, emocional e/ou fisicamente por sua própria mãe ou pai corrompe a nossa imagem e desestabiliza o nosso senso de falso equilíbrio e o controle sobre nós mesmos.

Questionar as crenças que suportam a ideia de que vivemos em um mundo justo e somos inerentemente bons e infalíveis significa aceitar as nossas vulnerabilidades e a incerteza contida na existência humana. Tal processo requer um nível de amor-próprio, honestidade e maturidade altos para se materializar. Na próxima vez em que alguém duvidar de seu sofrimento ou tentar invalidar a sua história, lembre-se disso e, ao invés de se sentir diminuída, cumprimente-se por ter a coragem e a força interior de enfrentar a sua angústia e seus medos, face a face.

É normal não amar a própria mãe?

Refletindo a respeito do narcisismo e do abuso sofrido, sentindo-se repleta de raiva de sua mãe, você conclui que o amor que, até então, nutria não existe mais. Sentindo-se inadequada e culpada pela escassez de afeto por quem a pôs no mundo, você se pergunta: “É normal não amar a própria mãe?

A resposta, decerto, é um grande e rotundo “SIM!”.

Quando bebê, você é programada para amar a mãe ou o adulto responsável por seus cuidados. Nos primeiros anos de vida, o amor que você sente por quem cuida é automático, pois consiste em um fator biológico. Este amor de natureza orgânica assegura o seu desenvolvimento e o sucesso de nossa espécie, já que nascemos totalmente frágeis e vulneráveis a um grande número de perigos e, precisamos, portanto, do cuidado e da proteção de um adulto.

Ao longo de nosso crescimento, passamos por vários estágios de desenvolvimento e aprendizado. Devido à influência de nossa cultura, religião e sabedoria popular, o significado do conceito “mãe”, como muitos outros, torna-se rígido. Você passa a acreditar que “mãe” significa “amor”.

Logo, na sua cabeça…

MÃE = AMOR

Esse conhecimento é adquirido e sedimentado de forma arbitrária. Questionar a validade desta crença em um país predominantemente católico como o Brasil, é como cuspir na cara da Virgem Maria. Mesmo que isto não reflita a sua realidade, você, no entanto, fica proibida de contrariar esta premissa, pois de uma mãe só se espera o bem. Toda mãe ama seus filhos, portanto, é seu dever honrá-la.

Crescer com esta falsa verdade tem um impacto de peso na saúde psicológica e emocional da filha de mãe narcisista. A contrariedade entre teoria e prática é tão grande, que acaba por se sentir como uma eterna farsa. Com a sua essência altamente abalada por não se encaixar no molde, a filha de mãe narcisista chega à idade adulta com um grande ponto de interrogação estampado na sua autoestima:

Por que a minha mãe não me ama?

O que há de errado comigo?

Por que ela me trata tão mal, me rejeita e me ataca verbalmente, quando tudo o que faço é amá-la e tratá-la bem?

O que eu fiz para merecer isso?

É normal não amar a própria mãe?

Não sentir amor por uma mãe narcisista e abusiva é perfeitamente normal

Estas e muitas outras perguntas nunca são respondidas e você amadurece sentindo-se insegura e perdida. Com o passar do tempo, a sua angústia se cristaliza transformando-se em uma permanente ansiedade que, por sua vez, torna-se uma característica fixa de sua personalidade.

Um belo dia você se dá de cara com a verdade narcisista. Você descobre que o problema da sua mãe tem nome: transtorno de personalidade narcisista. Tudo começa a fazer sentido e fica difícil de ignorar os fatos: não há nada de errado com você, mas há algo de muito errado com a sua mãe. A sua mãe é diferente.

No caso dela…

MÃE NARCISISTA ˃ AMOR

…ou seja, quanto mais narcisista menor a capacidade dela de nutrir amor genuíno por você.

Você se dá conta de que o suposto “amor” que até então mantinha vocês pretensamente unidas não passa de uma ilusão. Você compreende que este amor de mentira é como uma avenida de mão única na qual você passa a vida caminhando, sempre em frente na direção de sua mãe narcisista sem nunca alcançá-la.

Como você não é mais uma criança inexperiente e despreparada, enfim, compreende que alimentar este amor de mentira está lhe deixando doente. Por outro lado, você se sente forte e madura o suficiente para confrontar a noção de que laço sanguíneo se iguala a amor. Você entende que não é só porque ela a pôs no mundo que de fato a queira, respeite ou ame.

Pouco a pouco, você começa a restaurar a sua dignidade. Movida por uma intensa raiva de ter sido tão traída e injustiçada por tudo e por todos – tanto por quem a devia ter protegido, como por uma cultura absolutista e matriarcal que glorifica o papel da mãe enquanto negligencia o bem-estar da criança, promovendo a pressuposta superioridade da primeira, inadvertidamente e em todos os contextos familiares, criando as condições perfeitas para a prática e a manutenção do abuso.

Devido ao fato de você ter o mínimo de amor-próprio, você refuta a validade de uma dedicação cega. Das profundezas de uma autoestima destroçada, você se reergue. É neste preciso momento de reivindicação de sua própria alma que você reconhece que o “amor” antes sentido desvaneceu-se. “É normal não amar a própria mãe?”, você pergunta.

A resposta, é claro, é um grande, rotundo “SIM!”.

Se necessita de ajuda para registrar a perda da “mãe” no sentido afetivo da palavra, recomendo o meu curso online, “Como fazer o luto da mãe narcisista de forma orgânica”. Neste curso, você aprenderá como reconectar-se com o corpo e a fazer o luto da mãe narcisista de forma saudável.

A ascensão e a queda da filha-mártir

O desenvolvimento emocional da filha de mãe narcisista tende a ser um processo longo e repleto de altos e baixos. Por possuir uma mãe extremamente egoísta e egocêntrica, é condicionada a acreditar que somente os interesses desta devam prevalecer. Já criança aprende que suas vontades não são atendidas se forem diferentes dos desejos da mãe. Na adolescência, mesmo quando se arrisca a revoltar-se contra a injustiça e o abuso sofridos exibindo um comportamento problemático, seus atos não causam impacto suficiente para que a mãe remova o foco de si mesma para as necessidades e carências da filha. Na idade adulta e já cansada de lutar uma batalha perdida contra o narcisismo materno, entrega-se a ele sacrificando a si mesma no processo.

A sensação de impotência em face do narcisismo materno faz com que a filha de mãe narcisista sinta-se ainda mais insignificante. Se não está preparada a implementar mudanças radicais na dinâmica do relacionamento com a mãe ou a cortá-la de sua vida definitivamente, cria uma falsa ilusão de controle renunciando de seus sentimentos para concentrar-se exclusivamente no bem-estar da família, sobretudo da mãe.

Este momento de intensa insatisfação pessoal e confusão mental marca a ascensão da filha-mártir.

A filha de mãe narcisista, quando no papel de filha-mártir, é aquela que se desdobra em duas para atender os interesses de todos. A filha-mártir deixa de se concentrar no que quer para si, em seus sonhos e objetivos, para garantir a felicidade da mãe ou tornar-se sua versão de “filha perfeita” (serviçal, submissa e irrelevante) para ser “amada” e aceita por ela. Está sempre mudando de planos e postergando decisões importantes para resolver dramas que não são seus, enquanto usa a sabedoria popular do senso comum para sustentar e defender sua atitude incoerente, assim como absolutos de aplicação moral, ética e religiosa para valorizar seu sofrimento. Tudo, é claro, sem receber nenhum reconhecimento por seus esforços e com um sorriso de quem está “sempre pronta” para se entregar de corpo e alma ao próximo sem perder a elegância.

Neste processo de falso autoengrandecimento, também conta com a ajuda de amigos e parentes e, sobretudo, de uma cultura patriarcal e machista que concede a responsabilidade dos pais como dever vitalício dos filhos, independente de como sejam tratados ou do efeito que tal incumbência exerça em suas vidas e em seu bem-estar. Se religiosa, a filha-mártir se refugia na Bíblia e na imagem de Jesus Cristo crucificado como inspiração de seu martírio pessoal. Sentindo-se orgulhosa e magnânima, a ilusão de que é de fato relevante produz certa euforia da qual se torna dependente para criar um aparente senso de autoestima e amor-próprio.

É precisamente no ápice de sua autoalienação que a filha-mártir dá início a sua queda. Em um piscar de olhos é como se estivesse no topo de uma montanha-russa e, em seguida, descendo com força total ao encontro de sua própria destruição. Mesmo que tenha um grande talento para escamotear sentimentos antagônicos e alimentar sua imagem de fortaleza, seus recursos emocionais não são infinitos. Após um longo período de negligência pessoal, torna-se, entre outros, deprimida, ansiosa, irritadiça, estafada, insatisfeita, impaciente e infeliz; ou acaba na emergência de hospital por causa de um ataque de pânico, esbaforida, entontecida ou com sintomas de arritmia cardíaca; ou em um consultório médico reclamando de enxaquecas, complicações de ordem intestinal, dores de estômago, musculares ou das costas, com queda de cabelo, insônia, fatiga; ou em um consultório psiquiátrico atrás de uma cura milagrosa (prozac, celexa, zoloft, paxil, lexapro) para sua falta de entusiasmo pela vida ou na sala de terapia para entender o porquê de sua indisposição “repentina”.

filha-mártir

É no ápice de sua auto alienação que a filha-mártir dá início a sua queda

Invalidar a importância de sua essência como de seus próprios sentimentos para assegurar uma harmonia fictícia com uma mãe narcisista não é uma demonstração de amor, mas um ato de autossabotagem. Relacionamentos saudáveis não a fazem se sentir usada, vazia nem exaurida. O amor verdadeiro não requer abnegação nem recusa pessoal, mas incentiva e realça seus atributos naturais fazendo-a sentir-se aceita, inteira e a valoriza pelo que você é e não pelo que pode proporcionar.

Filha-mártir ou presa de mais uma armadilha narcisista?

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