Eu só entendi que havia sofrido abuso psicológico na minha infância no final dos meus 30 anos. Apesar de saber sempre que a forma com que a minha mãe tratava a minha irmã e eu não era certa, nunca associei o seu comportamento à palavra abuso. Como a maioria das pessoas, eu acreditava que abuso era somente de natureza física, pois ela não me batia nem me violava sexualmente. Portanto, “abuso” não era uma palavra que eu usasse para dar um significado concreto ao meu sofrimento.
A minha ignorância estava enraizada nessa mesma palavra: “concreto”. Isso se deve ao fato de termos dificuldade de definir a nossa experiência quando de origem abstrata. Um ataque físico é autoevidente. Se, de repente, eu olhar para você e lhe der um tapa no rosto, a sua reação será de horror total. A realidade do ato, efeito óbvio do ruído produzido por minha mão ao colidir com os ossos da sua face, assim como seu reflexo automático de se proteger e o seu olhar de descrença ao sentir a sua bochecha latejando, criaria uma imagem nítida na sua mente da origem e do significado de sua dor. Após o ataque, você não teria dificuldade de definir o seu desconforto emocional. Estaria, literalmente, estampado ali na sua cara.
Abuso psicológico

O abuso psicológico/emocional ocorre principalmente por meio de palavras.
O abuso psicológico não é tão óbvio, pois ocorre de maneira insidiosa. O abuso psicológico nos engana de tal maneira, que ainda acreditamos no ditado “paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras não me machucam”.
Nós nos esquivamos de socos e pancadas ou fugimos de quem quer causar danos ao nosso corpo, mas questionamos a nossa própria sanidade mental quando a nossa autoestima é sistematicamente destruída por ataques verbais daqueles que nos maltratam emocionalmente.
Quando a minha mãe dizia que eu nunca ia ser nada na vida e que na minha idade, ela já tinha alcançado muito mais do que eu, ou que a vida dela teria sido muito melhor se ela não tivesse me tido, eu direcionava a minha tristeza para o interior de mim mesma como se aquele ato não fosse tão prejudicial ao meu bem-estar como infligir um corte profundo na minha própria pele. Em vez de reconhecer que a atitude da minha mãe era inaceitável e fugir da influência, tal como da presença dela, eu me mantive ao seu lado até me tornar adulta o suficiente para sair de sua casa. Com o tempo, eu até cheguei a pensar que a maneira que ela me tratava era correta. Graças a sua insensibilidade, eu havia me tornado capaz de tolerar abusos não só da parte dela, mas de todo mundo. Ela tinha me feito um favor, depois de tudo.
Provavelmente nunca irei me recuperar por completo da crueldade da minha mãe. Às vezes eu penso que seria melhor se ela tivesse me agredido com suas próprias mãos. Dessa forma, eu não teria de me esforçar tanto para ignorar o eco de suas palavras recriminadoras sempre que conquisto algo de valor. Por muito anos, mantive este hábito terrível de questionar as minhas próprias habilidades. Toda vez que eu alcançava um objetivo, o mesmo pensamento derrotista tomava conta da minha mente, colocando um grande ponto de interrogação ao lado do mérito de qualquer resultado positivo. Quando eu me formei em uma universidade de renome, pensei “Incrível!”. Foi aí que este “Incrível!” se tornou “Incrível?” tão rapidamente quanto um reflexo patelar. Eu fui do prazer e orgulho para a incerteza e a insegurança em uma questão de segundos. A crítica patológica da minha mãe havia me ensinado a duvidar de minhas próprias realizações.
Isso não quer dizer que eu subestime o sofrimento das vítimas de abuso físico. Eu tenho certeza de que as cicatrizes deste tipo de abuso são mais profundas do que os limites da pele das vítimas. Ser ferida fisicamente ou violada sexualmente por alguém que, universalmente, supõe-se que a ame e a proteja, como um pai ou uma mãe, é a maior das traições. Mas esse também é o caso daqueles que se veem roubados de seu senso de amor-próprio. Quando uma mãe despreza o filho, ela rompe o que poderia ter se tornado uma inclinação natural e sadia desta criança de amar e aceitar a si mesmo. Em vez de me fazer sentir-me respeitada e valorizada, a minha mãe destruiu parte da minha alma com sua indiferença e língua venenosa. Além disso, cada vez que ela conscientemente ignorava meus sentimentos, sendo bons ou ruins, era uma lição sobre como me desumanizar. O abuso psicológico ataca você de fora para dentro, fazendo se sentir oca. É como ser atacada por um vírus de alta mortalidade.
Não se permita ser enganada pelas aparências. Só porque você não carrega marcas visíveis do seu sofrimento não significa que não exista. Confie nos seus sentimentos. Se você tem um relacionamento com alguém que a faça sentir pequena, inadequada, indigna, rejeitada, insegura, triste, irritada, culpada, humilhada, ansiosa, incompetente e incapaz de ser amada, esta pessoa está abusando de você psicologicamente. O momento em que você aceitar essa verdade marcará o seu renascimento. É praticamente impossível erradicar 100% do efeito do abuso psicológico apenas com o reconhecimento desta verdade, mas você definitivamente se sentirá muito melhor depois de ter retirado esse peso das suas costas. A culpa não é sua. Está na hora de você se libertar de um fardo que não é seu.